Uma das coisas que mais me encanta em todo o processo pedagógico é a capacidade do saber virar sabor em nossas bocas. O conhecimento aguar entre os dentes, e os olhos fitarem de gula as bibliotecas e estantes. Penso que este deveria ser o objetivo último de todo professor que se preze a ensinar com paixão, mas isso é uma outra história.
Recentemente, tendo saído da casa dos meus pais pela primeira vez, me vi tendo que pensar o que cozinharia por no mínimo três refeições por dia. Nunca na minha vida, tinha pensado sobre vagens, cogumelos e até moquecas durante alguma aula da faculdade. Tanto é que pensei que estaria me tornando um pouco obsessiva com esse assunto, quando na verdade, era só o nascimento de uma carga mental.
A partir desse momento, tive a minha segunda conversão em vida, dessa vez, à gastronomia. Justo eu que pregava a ideologia do macarrão instantâneo no meu país de origem, me vi pesquisando sobre cortar cebolas à la julienne, e entendendo os vegetais e legumes da estação da feira em que frequento — que nesse momento é a abóbora (a natureza já sendo um prenúncio das efemérides e hallooweens).
Mas para além de todas as técnicas, e saberes específicos da arte de um refogado, a culinária me trouxe uma profunda consciência de mundo. Frequentando semanalmente uma feira gratuita para estudantes que visa combater o desperdício alimentar, me dei conta da importância dessa causa, tão cara para os franceses — talvez por um passado recente de guerras, e talvez, tão desprezada pelos brasileiros e brasileiras, que vivem em um país desigual, de esfomeados e em uma guerra constante.
Outras questões começaram a habitar meu corpo, até então permeado de sódio e constante ignorância alimentar, como a resistência das comunidades quilombolas do Recôncavo Baiano, a agricultura familiar brasileira em constante conflito com a emergência do agronegócio, e a causa mais elementar de todas: A Reforma Agrária — que esteve no centro do debate político brasileiro até ser abafado pelo Golpe Civil e Militar de 1964. Coincidência?
Me parece bonito e simbólico começar a primeira coluna, com aquilo que me mantém de pé, e com muita frequência com sorriso no rosto, (e ascendente taurino abraçado).
O saber há de passar pelas salivas.
E virar sabor, quando experimentado por nós mesmos.
Abaixo algumas das minhas últimas aventuras e romances na cozinha.