#08 se réveiller
(texto produzido em 12/2020)
No começo do ano, no meio de uma aula de francês, me deparei com um verbo. (Se) réveiller. Que no bom português, nosso de cada dia, significa: acordar. Isso mesmo, aquilo que você faz todos os dias, ou ao menos deveria fazer (deveria?). Acordar. O curioso é que mesmo acordando todos os dias, e dizendo réveillon todos anos, não lembremos do significado dessa palavra, por sinal, nada brasileira. Acordar.
Esse ano pude observar, também, crescendo em frente a minha janela, um casulo imenso. Nem sei direito qual bicho pode sair de lá. Borboleta, pulga, abelha. Só sei que todo dia quando acordo olho pra ele, e ele ainda esta lá. Por puro narcisismo, tracei uma relação pessoal com esse casa-ser, e lembrei que esse ano, completo meu terceiro descasque celular. Nunca vou esquecer o dia que, folheando as infinitas National Geographic’s do meu avô, li que as células do corpo se renovam a cada sete anos. Voilà, vinte e um anos completados.
E aqui estamos. Eu, o casulo, e o mundo todo esperando pelo nosso acordar. Um acordar de beijos. De metrôs espremidos fazendo os corpos sambarem. De livros compartilhados. De olhares certeiros. De suco de laranja com pão na chapa de manhã, e vinho tinto à noite. Um acordar de cinema em plena quarta-feira, com gosto de pipoca na manteiga. De colo dos avôs por perto contando as mesmas histórias. De verão com areia grudada no Sundown, por medo de se queimar — mas só com esse medo.
Por que de nada vale as quarenta e três horas de terapia, os trinta e seis livros, os sessenta e seis filmes, os dois machucados de bicicleta, os dezessete cursos online e um mapa astral, sem a esperança. Sem ela não existe história, infinito horizonte ou encantamento, mas sim, puro determinismo. Ou como já predisse o eterno Paulo Freire, a inexorabilidade do futuro é a negação da própria história -Traçada pelos entre-meios- (complementação minha).
E a esperança de saber que o mundo não é. Ele está sendo. Todos os dias.
Ao se réveiller.