#13 alexa, why are you a woman?
Uma análise de gênero das mulheres-máquinas e das máquinas mulheres
"Alexa, play I'm that girl, Beyoncé". Provavelmente você, caso ainda não tenha angariado a sua própria, já conhece a nova interface vocal da Amazon, retratada nos mais diversos filmes e séries da rede Amazon (Prime Video) para além das conversas cotidianas entre amigos. Com mais de dez mil pessoas trabalhando na sua feitura e elaboração, a Amazon, através dos Echo Dot's, definitivamente investiu e pensou que a interface de voz feminina seria uma parte definitiva em nossos futuros.
Porém, Ben Evans, sócio da Andreessen Horowitz, argumenta que, ao contrário do esperado, a Alexa se tornou uma solução de produto muito mais interessante para os próprios clientes do que para a Amazon. Em outras palavras, as pessoas estão usando o dispositivo para tocar músicas, ligar e desligar luzes e definir temporizadores na cozinha, em vez de comprar automaticamente os produtos Amazon cujo era o objetivo inicial da empresa, não agregando consequentemente muito valor à marca (Inevitable Human, 2019).
Após esse momento, a multinacional acabou adaptando o discurso inicial de vendas, e na definição do produto, no site oficial da rede, diz que a Alexa permite tocar música em todos os lugares, assim como estar sempre disponível para ajudar, controlar a casa, e avisar quando o jantar está pronto. Seria este um discurso familiar de divisão do trabalho? Assim, ao contrário da maioria dos artigos que abordam os pioneirismos tecnológicos do dispositivo vocal, este texto tem como finalidade explorar as implicações de gênero presentes na inteligência artificial Alexa e suas principais características e funções.
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A partir da década de 60 começaram a surgir investigações que buscavam analisar o papel das mulheres e sua contribuição para o desenvolvimento econômico das sociedades, instaurando o marco de disciplinas como a sociologia do desenvolvimento e a antropologia da economia, a partir de dois grandes polos teórico-políticos: as teorias da modernização e a crítica feminista marxista.Vinte anos depois, com a globalização, irromperam os debates sobre a divisão internacional do trabalho e a introdução de novas tecnologias dos modelos fordista e taylorista. Em paralelo a esse movimento, os estudos feministas da década de 1980 preocupavam-se com o impacto desses processos na "divisão sexual do trabalho nas empresas, na reconstituição das segmentações ocupacionais baseadas no gênero, na qualificação e desqualificação da força de trabalho feminina" (ARANGO , 1997, p.3 ).
"Embora muitos desses temas sejam desenvolvidos no campo da produção e do mercado, é claro que uma das contribuições mais significativas desse campo de estudos foi ter destacado as inter-relações necessárias entre o universo do trabalho e o campo do trabalho . família, reprodução e trabalho doméstico" (ARANGO, 1997, p.4).
Como já dizia Elizabeth Souza Lobo (1991), “a classe trabalhadora tem dois sexos”. Logo, o gênero também estabelece dois tipos de trabalhos ao longo da história tendo em vista a construção social da feminilidade e da masculinidade: o trabalho produtivo, e o trabalho reprodutivo e de cuidados. Este último sendo invisível e não remunerado na grande maioria dos casos do capitalismo atual. Por vezes, como se pode verificar no caso das trabalhadoras domésticas, a grande maioria dos seus empregadores almeja que elas sejam “invisíveis”, “isto é, ficar caladas, andar sem serem vistas, passar despercebidas… são práticas valorizadas e avaliadas como características positivas no momento da contratação " (Gorban e Tizziani, 2018, p.76).
Com este predicado de invisibilidade valorizado na contratação ou até mesmo na sociabilidade em geral de mulheres no ambiente doméstico, alienando a condição de pessoa das mesmas, cria-se mulheres-máquinas, que na contemporaneidade se estende a máquinas-mulheres. Ou seja, penso que não pode ser vista como uma coincidência o fato da Alexa, uma figura responsável pelos automatismos da casa assim como por muitos cuidados domésticos, tenha se apessoado enquanto uma voz e um nome feminino, mesmo que o propósito inicial não tenha sido esse.
Assim, alcança-se o retrato perfeito do sucateamento da divisão do trabalho pelo gênero e a utopia dos empregadores: um trabalho doméstico feminino literalmente invisível. Sem maiores transtornos com inconvenientes e hierarquias de intimidade forçada, sem limite de horário de trabalho, sem quartinho nos fundos, sem férias, sem décimo terceiro, sem vale transporte e alimentação ou filho doente. No mais, fico à espera de algum concorrente que crie um Alexandre.
Indicações:
Podcast: Mano a Mano com a economista Flávia Oliveira (a melhor jornalista de todos os tempos. além de não ter medo de chorar, ao vivo, nunca).
Filme: Que horas ela volta? (Amazon Prime) (um dos melhores filmes nacionais da década).
Série: Chef’s Table - Alex Atala (completamente atrasada, mas a catarse não escolhe o tempo).
Fontes da newsletter:
Arango Luz Gabriela. "La clase obrera tiene dos sexos" avance de los estudios latinoamericanos sobre género género y trabajo". Bogotá: Nómadas (Col). Avances de los estudios latinoamericanos sobre género y trabajo, núm. 6, marzo, 1997. Disponible en: https://www.redalyc.org/pdf/1051/105118999007.pdf
Inevitable Human. "Alexa - Amazon's virtual storefront with 100 million people waiting at the doors". Inevitable Human: Essays for Future Thinkers. Febrero de 2019. Disponible en: https://inevitablehuman.com/alexa-amazons-virtual-storefront-with-100-million-people-waiting-at-the-doors/
Gorbán Débora y Tizziani Ania (2018). ’¿Cada una en su lugar? Trabajo, género y clase en el servicio doméstico’. Buenos Aires: Editorial Biblos. Cuadernos de Relaciones Laborales, 37(2), 69 - 83. Disponible en: https://icampus.univ-paris3.fr/pluginfile.php/688753/mod_resource/content/1/Gorban%20y%20Tizziani%20Cap%204%20.pdf
Excepcional. Texto que nos faz pensar