No último domingo, dia dezenove, meus pais completaram vinte y nove anos de casados. E assim, como forma de agradecimento e homenagem ao amor que me fez, mesmo no outro lado do oceano, decidi ir de última hora na exposição Habibi, Les revolutions de l'amour, em cartaz até aquele dia, no Instituto do Mundo Árabe.
A exposição, com mais de setecentos e cinquenta metros quadrados e cinquenta obras realizadas por artistas LGBT+ originários do mundo árabe, apresenta o amor sufocado e silenciado daqueles que estão fora da norma, mesmo em uma cultura em que o amor tem quatorze formas de se exprimir.
Al-Hawa. Al-Sabwa. Al-Shaghaf. Al-Wajd. Al-Kalaf. Al-‘Oshok. Al-Najwa. Al-Shawq. Al-Wasab. Al-Istikana. Al-Wodd. Al-Kholla. Al-Gharam. Al-Hoyam.
Para esses habibis, queridos, cariños que fazem uma revolução só por amar alguém do mesmo sexo, ou não corresponder as expectativas de gênero, nenhuma dessas formas podem ser legitimadas. Abraçadas. Ao passo de às vezes serem até criminalizadas.
Assim, muitos destes partem para fora de suas terras em direção a um amor doce. Em uma cartografia dos desejos, eles se deparam com um caminho de descobertas, lembranças, dores, cabelo, cílios, toque e pele. Na estrada para o Ocidente se vêem desconectados - porém atados em certezas de um caminho fundado na liberdade.
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Tudo isso muito me lembrou Glória.
Há algum tempo ando tendo o privilégio de ler em uma velocidade baixíssima como quem se dedica a cada palavra lida em voz alta, todos os poemas e escritos de Glória Anzaldúa. Texana e mexicana. Poeta e acadêmica. Entre o espanhol e o inglês. A hétero e a homossexualidade. Glória sempre habitou las fronteras. Fundando seu próprio l(ug)ar intitulado de Borderlands - a terra fronteiriça.
Para ela, Borderlands significaria a terra em que ela nasceu, sudoeste do Texas, mas também de uma forma metafórica descreveria toda fronteira psicológica, sexual e espiritual que não habita apenas na área de confluência mexicana e texana.
O que mais me encanta em Anzaldúa é o desejo de ser inteira mesmo em constante fragmentação. De usar do inglês quando se deseja estar mais próxima da teoria, mas não abrir mão do espanhol quando as palavras são voltadas al corazón. De ser reconhecida na academia por um livro teórico que nasceu de uma apêndice de um livro de poesia. Tudo isso cabendo em uma mesma frase, em um mesmo ser. Penso isso ser tão belíssimo que ainda volto aqui para falar mais dela.
No mais, é chegada a primavera, e com ela, os amores e as demais cores.
Indicação de conto: When Eve and Eve bit the Apple - New York Times
Indicação de livro: Borderlands - La Frontera (Glória Anzaldúa)
Indicação de documentário: O método de Stutz (Netflix)