Uma mãe. Um pai, uma filha e um filho viajam para os Alpes franceses. Em um almoço, no meio de um restaurante nas montanhas, enquanto todos estão sentados a mesa, tirando fotos e rindo, começam a escutar tremores. Ao avistarem as colinas de neve, constatam a olho nu uma avalanche chegando em pouquíssimos segundos. A mãe, desesperada, em um primeiro instinto, protege as crianças com o seu próprio corpo. O pai corre da mesa resgatando seu celular. Branco. Tudo branco.
Aos poucos, conseguimos alcançar os personagens. Circunscritos em uma névoa densa. Tudo sobre controle. Eles retornam a mesa. As comidas estão intactas, e logo o restaurante explica que a cascata de neve se dirigia a uma outra rota, tudo que eles experienciaram foram vestígios, fumaças de uma tragédia - descrição plausível para o que viria a se tornar o casamento em questão após a fuga repentina do patriarca.
A cena que acabo de narrar são os primeiros minutos do longa Força Maior, do diretor sueco e gênio Ruben Östlund, que também fez The Square (aqui fica a minha dupla indicação cinematográfica). Para além das cenas surreais embaladas com composições em G menor de Vivaldi, o que mais me fascinou na obra foi a capacidade de montar um filme de duas horas completamente impactado por um acontecimento de um pouco mais de dois minutos. E lógico, que tão alto quanto os tremores de neve, o que mais ecoou, posteriormente na minha consciência, foi o instinto primário da mãe.
Considero mãe um troço sagrado, tão sagrado, que enquadro como a maior das entidades universais - dificílimas de tatear e de descrever. Boas e Más. Gigantes. Parideiras. Imensas. Incondicionais. Busque um sinônimo de mãe e chegue no além-início. Das vezes que alcancei tal grandeza, só consegui chorar (e talvez a grandeza more justamente nesse no choro).
Mas voltando ao filme, creio que ele seja a metáfora perfeita dos ventos que a vida traz quando se despeja um filho no mundo. Branco. Tudo branco. Que nem os cabelos das matriarcas. Aos poucos conseguimos alcançar os personagens. Quem foge e quem fica. Circunscritos em uma névoa densa. Tudo sobre controle. Nunca nada sobre controle. Eles retornam a mesa. Porém tudo mudou. Homens sempre se vão em alguma medida e o que resta é o instinto. Aquilo que nenhum filósofo conseguiu separar da natureza ou da cultura.
Porém, mesmo em meio a fumaça, me permito sorrir no dia de hoje, percebendo a maneira como mães vem lapidando o imaginário coletivo do maternar eterno e cíclico.
Estamos retomando discussões sobre rede de solidariedade milenares, hoje pautadas como rede de apoio por Bela Reis e Flávia Oliveira. Aplaudindo VihTube’s mostrando seu corpo sendo a extensão de um outro ser. Nos questionando junto com Hana Khalil o porquê das mães serem sempre vistas enquanto ‘chatas’, além das publicidades que de uma vez por todas abraçaram a complexidade de mulheres, como Hariana Meinke, que não deixam de nutrir outros interesses apenas por serem mães (também).
No mais, que possamos buscar acalanto em todos os possíveis sinônimos de mãe espalhados por esse mundo (coberto de vestígios e fumaças de uma tragédia divina).
Esse texto foi feito em homenagem a minha mãe, que sempre me recebeu em vida e amor. A todas as minhas amigas e mães que me ensinam como é preciso viver o grande para entender o pequeno, e a Rita Lee. Las amo sobremanera.
Indicações da semana (infelizmente não temático, porém aceito nos comentários):
Indicação de série: Harlem - Amazon Prime (revendo pois looks bafo)
Indicação de livro: A casa dos budas ditosos (sempre sempre sempre)
Indicação de Podcast: Desculpa alguma coisa com Guilherme Terreri
Amor de Mãe . Lindo texto filha, agradeço pela maternidade ter sido uma experiência tão maravilhosa na minha vida. Bia a que me faz feliz. Te amo até o infinito
Realmente, talvez a grandeza more justamente no choro. :)