#23 quem nunca passou por uma encruzilhada, não sabe escolher caminhos
Entre camas de gato e peixes envoltos em jornais, escolho meu forró
Primeiramente, gostaria de me desculpar (google: sinônimo de desculpar - absolver - escusar - perdoar), gostaria de me perdoar por não ter escrito a newsletter na semana passada. Muita coisa pode acontecer quando se apresenta sua atual casa, em São Paulo, à sua primeira casa nesse mundo, minha mãe, e algumas delas, não viram newsletter, ás vezes se dissolvem em terapia mesmo, e que assim seja,🤍.
Dito isto, prossigo com essa frase do poeta quilombola Antônio Bispo dos Santos, que me foi apresentada na Bienal de São Paulo “quem nunca passou por uma encruzilhada, não sabe escolher caminhos”. A frase me pegou de cangote, porque tendo sempre que me dividir entre dois mundos, o esse, e o pra lá - do Atlântico, estendo minha encruzilhada em mil paralelos e perpendiculares. Uma cama de gato, na qual eu sempre me prolongo em saber como me retirar.
Explico. Quando cheguei na França, em setembro do ano passado, minha perspectiva sempre foi estudar as minhas. As brasileiras. Que na verdade, são zero minhas. São múltiplas. Meu desejo era justamente confabular em cima das histórias das minhas conterrâneas que se encontravam em terras parisinas. Certeza que seria um trabalho bonito. Mas foi tudo por água baixo. Ou melhor, água de barrela abaixo, aquela água com cinzas de madeira que se limpavam e ainda limpam as roupas, em um processo artesanal, para embranquecê-las.
A responsável por me orientar - guiar - determinar o meu projeto, prontamente disse que a idéia era excelente. Mas eu, logo eu, não podia realizá-la. A brasileira que gestou por um ano um projeto que discursava sobre brasileiras , foi descartada justamente por ser brasileira. Primeiro choque. Choro no metrô. Aqui cabe uma ressalva, estudo Antropologia, e dentro da disciplina regamos um conceito que se divide em duas instâncias: distanciamento e reflexividade. Ou seja, é sempre recomendado que se estude uma realidade distinta e distante da sua com o fim de ser o mais imparcial-positivista-racional possível, para que isso não invalide a reflexão posterior. Pilares científicos que estão sendo questionados em diversos lugares, porém, não naqueles em que habito.
Encruzilhada.
Com uma ideia abortada e com o silêncio que preencheu os meus olhos, foquei nas minhas tarefas diárias. Que nunca são poucas. Tendo que pensar em três refeições mínimas para me alimentar por dia e trabalhando em cozinha de restaurante, comecei a confabular muito sobre farofas, moquecas, baguettes, e camembert de Normandie. E como tudo isso também tinhas profundas conexões com identidades, tema que tanto me interessa. Comecei a entender então o saber como sabor, e mais ainda, o quanto podemos conhecer de um povo apenas olhando para o seu prato.
Dessa maneira, realizei o meu segundo projeto em torno da Antropologia da Alimentação. Qualifiquei, e terminei meu primeiro ano de mestrado. Porém, retornando ao Brasil agora no segundo semestre, com os ventos de renovo do sul, me vesti em coragem e tentei retomar ao meu antigo projeto. Sobre o Brasil. Sobre mim. Sobre elas.
Encruzilhada.
Em uma reunião online que aconteceria 8:45 da manhã de lá e 3:45 da madrugada pra cá, me ajeitei em espírito para vender meu peixe já atropelado e desprezado, porém ainda surpreendentemente fresco e envolto em jornais. Preparei assim, notas, artigos e referências novas que pudessem surprender a minha interlocutora. No que, mais uma vez, virou tudo água de barrela. Logo, ela me incentivou a permanecer no tema atual e deixar essa ideia pra lá, bem longe do alcance dela.
Encruzilhada.
Cansada de comer a comida servida pelo outro, pela primeira vez me vi plena e em paz. Resolvi me esquivar em retaguarda. Entendendo a valsar o ballet que se faz com aquele, que não conhece forró ou baião. Dois pra lá. Dois pra cá. No passo francês não há espaço. Pra troca. Assim, o que me resta no hoje, é não esquecer do meu balanço, para um dia - que ainda virão muitos - poder dançar com os meus próprios pés.
Nem todas as ideias precisam ser cumpridas agora. Ainda virão mais livros. Poemas. Dias. Doutorados. Conversas em bar. Cadernos. Entrevistas em profundidade e terapias. E querer esperar por isso é lindo.
No mais, dentre todas as encruzilhadas que me alinho, escolho os caminhos das greves dos transportes e da Universidade de São Paulo, na qual me encontro hoje. Em pouquíssimos dias consegui entender a força de um coletivo que se almeja maior que causas individuais, e principalmente daquilo que se aprende fora das carteiras.
À eles, toda minha força e resistência.
Se cuidem, em calma e parcimônia, lembrando que nem tudo e pra amanhã. Planejem suas rotas, aproveitem seus caminhos e axé na encruzilhada.
Recomendações da semana:
📖 Livro: O mundo desdobrável - Carola Saavedra (coisa lindaaaaa)
🎥 Serie: Jury Duty ou Na mira do júri - Amazon Prime (louco demais, ideia muito boa)
🎥 Filme: Flora e Filho: Música em Família - Apple TV (há tempos não via algo tão leve e bonito)
Texto rico e complexo. Seu amadurecimento é visível. Voa Bia, você vai alcançar seus sonhos.