#31 saudação as águas, e começo de tudo
autobiografia de um iogue, o futuro ancestral e minha bisa bel
Sempre costumo pensar na importância dos primeiros livros do ano. Encaro-os, muitas das vezes, como um tema. Uma palavra-chave. Um guru de jornada, em um novo começo de tudo. Ano passado, em janeiro, meu livro foi Sabor, do Stanley Tucci, servindo de tapete, para um ano repleto de mesas fartas. Esse ano, por sua vez, eu talvez tenha levado a palavra guru a sério demais, e escolhi para ser o meu primeiro livro de 2024, a Autobiografia de um Iogue, de Paramahansa Yogananda.
Talvez desconhecido pela maior parte dos que estão me lendo nesse momento - eu espero que não, Autobiografia foi o principal tradutor das filosofias orientais indianas para o Ocidente, no século passado. Escrita pelo próprio Paramahansa, a obra foi o primeiro manuscrito redigido por um Iogue, para ser lido por alheios. E narra os costumes, hábitos e feitos dos chamados "poderes sobrenaturais” dos guruvedas, superando qualquer descrição produzida por jornalistas ou escritores estrangeiros.
Para além disso, era o livro de cabeceira de Steve Jobs, e foi o presente que o mesmo planejou dar a todos os convidados em sua cerimônia fúnebre. Também foi o livro que Gilberto Gil deu a Flora, quando se conheceram - acho bem mais bonito esse último. Aparentemente, o livro se manifesta enquanto presente para a maioria das pessoas. Comigo não foi tão diferente. Andando pelas ruas do Catete, avistei a figura andrógina na vitrine do Sebo Beta de Aquarius. Ao ler o título, me lembrei de Gil, de Flora, da macrobiótica dos anos setenta, da yoga, e aceitei o convite.
Volto aqui quando acabar a leitura. Mas gostaria de deixar com vocês esse trecho: “Meu mestre sempre pedia que eu meditasse quando via uma extensão de água” (2008, p.85).
Quando li essa frase estava encarando justamente uma faixa de água. Em um quarta enevoada de verão, que se condensava em pleno ar. Me lembrei que, desde criança, gostava mais de meditar em frente ao mar, do que de, necessariamente, adentrá-lo. Em uma espécie de reverência implícita, e tentativa de escutá-lo. Não foram poucas as vezes que me comuniquei diretamente com ele. Ou ela.
Em Futuro Ancestral, segundo livro do meu ano, o pensador indígena Ailton Krenak realiza logo no primeiro capítulo, uma saudação as águas. Ou melhor, aos rios. Esses seres que sempre habitaram os mundos, atraindo todos os assentamentos humanos. Verdadeiros caminhos dentro das cidades, e um convite ao deslocamento.
"Os rios, esses seres que sempre habitaram os mundos em diferentes formas, são quem me sugerem que, se há futuro a ser cogitado, esse futuro é ancestral, porque já estava aqui.
Gosto de pensar que todos aqueles que somos capazes de invocar como devir são nossos companheiros de jornada, mesmo que imemoráveis, já que a passagem do tempo acaba se tornando um ruído em nossa observação sensível do planeta” (2023, p.8).
No livro, e no mundo de Krenak, as águas - sentem, falam e se cansam - rompendo com a mesmice da antropomundo. Para ele, para que um futuro exista, é vital que ele seja ancestral. E como os ancestrais, se manifestam também nos elementos da natureza, precisamos aprender a ser água. "Em matéria e espírito, em nossa movência e capacidade de mudar de rumo, ou estaremos perdidos" (p. 14).
Tal reflorestamento mental só poderia ser feito pela água que nasce no brilho do olhar de crianças, como as Krenak, que anseiam por serem antigas, por valorizarem muito seus ancestrais. Para não cair o céu, logo, seria necessário, propor diferentes formas de habitar a terra:
(1) Saudando as águas
(2) Mapeando novos caminhos,
(3) E reconhecendo os seres crianças, que desde cedo, seriam aqueles que colocariam "o coração no ritmo da terra ".
"Os meninos remavam de maneira compassada,
todos tocavam o remo na superfície da água com muita calma e harmonia:
estavam exercitando a infância deles no sentido de que seu povo, os Yudjá,
chamam de se aproximar da antiguidade. Um deles, mais velho,
que estava verbalizando a experiência, falou:
'Nossos pais dizem que nós já estamos chegando
perto de como era antigamente'".
(KRENAK, 2023, p.4).
No mais, que possamos sempre meditar, ao avistarmos uma extensão de água. A reconhecer cidades pelos seus rios, não pelos seus prédios. Acolher na vasta imensidão, um ser que se comunica, e que sente.
Que convida ao deslocamento, e mudanças de rota, quando não são bem vindos.
Mal posso esperar para os rios que encontrarei. Carioca. Sena, e quem sabe, um dia, Ghandi.
Espero que vocês se encontrem bem,
em ressaca, enseada, quebra-mar, ou marolinhas.
Essa edição foi dedicada a minha ancestral e bisavó Bel, que sempre arruma um jeito de falar comigo.
Nunca conheci Bisa Bel, mas não foram poucas as vezes, que fui comparada com ela. Às vezes, me pego fazendo coisas que ela fazia, como quando usei o colar de figas pretas da Bahia, e descobri que ela mandava todos os netos usarem, "como enfeite".
Chego a me arrepiar com Bisa Bel, portuguesa fervorosa, negada ao ensino formal, que até o fim da vida, não soube ler, nem escrever, mas soube ser artista. Misturando cores e sabores nos quadros, paredes, e cozinha para todos os seus convidados.
Bisa Bel, descanse em fé. Em enfeite, ou destino, te gosto perto.
Indicações da Semana #01
📚 Indicação de livros: Autobiografia de um Iogue, de Paramahansa Yogananda.
Futuro Ancestral, de Ailton Krenak.
🎥 Indicação de minissérie: Somos o que comemos: um estudo com gêmeos (Netflix) - muito interessante o estudo com gêmeos idênticos testados em dietas veganas e onívoras saudáveis
📰 Indicação de reportagem: How to Start the New Year? Keep the Sea Goddess Happy - NY Times
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