#33 passeio na neblina, e elefantes soltos
as infinitas possibilidades masculinas, os três desejos do gênio da lâmpada, e o conforto
Trigésima terceira newsletter por aqui, e sempre o mesmo nervoso, e motivação de sempre. Tirar o bicho que dança na minha garganta para fora. Abrir o notebook, e tecer uma conversar comigo mesma, obedecendo alguma deusa da escrita universal, sem nenhuma terra prometida. Queria poder ver um dia ela nos olhos. Trigésima terceira. Idade de Cristo. Idade do próprio Deus. Chamados. Por onde andam?
Recentemente, em uma conversa sobre amor e coragem, uma amiga minha - que inclusive personifica magistralmente esses dois substantivos - me embrulhou para presente um link de episódio do podcast Elefantes na Neblina. O título era #80 Coragem, e a foto do episódio me parecia um homem se jogando de um penhasco, em preto e branco, com uma fonte ao lado roxa, no mínimo, de gosto duvidoso.
Pois bem, assim como o tal rapaz, joguei-me no abismo desconhecido, e logo escutei a chamada do podcast. Abre aspas. “Amigos que gostam de conversar em tempos interessantes, incertos, implacáveis. Com o futuro suspenso, e o passado cada dia mais distante, estamos aqui estacionados na condição humana, e na tentativa de fazer uma nova vida funcionar. Cada dia é um passeio na neblina, e os elefantes estão soltos. Não usamos nomes. Porque somos nós, e somos ninguém, o que importa é a conversa e a vontade de gerar alguma luz. Fim.
Lembro que tive a nítida impressão de ter entrado em uma conversa de bar pelo meio. Ou um link errado de sala de Zoom. Porém, atentíssima a todas as falas e trombas que os elefantes eventualmente me golpeavam, eu fiquei. No episódio, eles falavam de caos e cosmos, a coragem de não agradar, medo como presente, e Ted Lasso. Muito Ted Lasso. Em resumo, nada do que eu havia falado especificamente com a minha amiga.
Mas, continuei. Escutei o último episódio, que havia sido lançado sobre sintonias e monastérios, e me lembro de chorar no meio da cozinha, indo pegar uma água para as plantas lá de casa. Algo na voz de um dos elefantes, nomeado carinhosamente de Larry Be, de fato whispered words of wisdom no meu espírito e no meu corpo, e depois desse primeiro contato, eu nunca mais consegui ser a mesma.
A partir desse momento recetei o podcast. Os encontrando em plena inauguração. Dia 19 de março de 2020. As dúvidas deles, portanto, ainda eram se um dia voltaríamos a nos abraçar de novo. Achei graça, ao mesmo tempo que fiquei angustiada. Por que escutar algo sintonizado em uma realidade a algum tempo já superada? Só tive essa resposta, prestes a entrar na pandemia terapia. Escrevi errado, e decidi manter assim.
Eram dois, os motivos. O primeiro, como já inconscientemente interpelado, eu estaria vivendo uma espécie de reprise de pandemia nas primeiras semanas de 2024. Assim como o velho de dias curtos, eu estava habitando de novo, jornadas mais diminutas, em pleno inverno francês, sendo uma imigrante e optando por ficar mais em casa. Estava tendo constantes chamados da espiritualidade, e precisava refazer os três desejos para as próximas estações que se aproximavam.
Explico. Em 2020, no auge do grande túnel escuro e incerto que chamamos de quarentena, ou quaren-eterna, eu comecei a desenhar um cenário que me encontraria assim que eu encontrasse a luz de volta. Uma espécie de bote salva-vidas, ou o que os estadunidenses chamariam de life-raft. Esse traçado envolvia três riscos. Sair da casa do meus pais. Ter uma experiência fora do Brasil. E ingressar no mestrado que queria. Até hoje, colho os frutos dessa biazinha, que com seu hiper foco aprendeu francês pelo Youtube, e não desistiu - mesmo chorando na frente do espelho ao longo de toda reta final do processo.
Hoje, nas vésperas de finalizar os três desejos do gênio da lâmpada, encontro-me, de novo, no mistério. Dessa vez, no entanto, encarando-o com respeito, e não medo. O que já muda tudo. E sabendo também que existe luz no fim do túnel - e muitas lanternas alheias no caminho que irão me ajudar para que o novo aconteça. Eu só preciso, primeiro, me despedir do tapete que piso hoje, para desenhar os próximos mundos (não tão) ideais assim, de preferência.
O segundo motivo que me fez montar uma barraca no meio do zoológico para permanecer escutando os elefantes, foi o fato de que era o primeiro podcast que eu escutava de apenas homens falando. Homens que pela voz também possuem uma idade, no mínimo, de o dobro da minha. E pude atestar o tamanho da liberdade de pensamento que existe nesses fatos e recortes. Enquanto mulher, e sempre escutando as minhas, bem antes de confabular sobre Schopenhauer ou budismo, precisamos falar sobre assédio e relacionamentos abusivos. O tempo todo. Sobre feminicídio. E nos dias de maior leveza, como se portar sem ser incomodada em bloquinho de Carnaval.
Não há espaço para a condição humana. Porque antes de podermos ser simplesmente humanos, já somos mulheres. E por isso, confesso que amei - e me encontro ainda em estado de êxtase - me sentar na mesa desses meninos-homens-senhores. Não me entendam mal. Não sou diferente das outras garotas, e nunca caí nessa lenda. A verdade é que só estou um pouco cansada do algoritmo e da produção de conteúdo voltada para mim, intitulada sob a pretensa forma do ~ feminino ~.
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Recentemente, recebi um comentário no Youtube, vindo de uma mulher, que dizia assim: “Você é uma das poucas pessoas que criam conteúdo para internet que eu me sinto confortável em acompanhar. Se você conseguir postar todo mês esse vídeo irei amar demais".
E achei muito bonito poder tirar essa palavra para dançar. Conforto. Comemorar tal feito. Principalmente, vindo de uma geração e de uma classe social que não se comove com essa palavra, em prol de uma eterna busca por novas aventuras - discurso esse entronizado naqueles que sempre tiveram seus confortos garantidos em vida, mas enfim, isso já é uma outra história.
Depois de compartilhar isso, uma amiga também fez das palavras dela, as suas dizendo que havia muita dificuldade em acompanhar influenciadoras mulheres, "porque a constante venda de produtos e estilo de vida pra promover uma falsa aparência perfeita" a adoecia bastante. Ela continuava, "com sorte eu esbarro no seu conteúdo, que não fala de leitura fazendo com que eu saia que tô perdendo por não ter lido tanto. Que fala de moda sem fazer com que eu me sinta inadequada por me vestir de outra forma, por não ter como comprar marcas super caras. Que fala de comida, fazendo ela parecer um privilégio e uma delícia e não algo pesado, que só me traz desejo de dieta (…) Enfim, eu me sinto confortável te assistindo, o jeito que você comunica as coisas, ciente de sua noção de privilégio, sem tentar fazer as pessoas se sentirem invejosas ou mal por viverem diferentes".
Lógico que fui as lágrimas. E aqui cabe uma ressalva importante. Muitas das mulheres influenciadoras citadas aqui - que inclusive nem são reconhecidas pelo dicionário do meu computador que insiste em trocar para o gênero masculino essa palavra - também são influenciadas e vítimas desse sistema. Que nos corrompe, e nos apequena. Porque a paz não é uma palavra do vocabulário feminino. E só por isso, saber que estou proporcionando conforto. Fôlego longo - para demais narinas que me acompanham. Descanso. Neblina. Já é motivo de celebração.
No mais, que consigamos ver a criação de conteúdo de maneira gratuita enquanto arte também. Apoiando sempre que possível, e proporcionando algum conforto a aqueles que nos fazem sorrir e recuperar o ar, na internet - que não foi feita para dar certo, mas de várias maneiras, as vezes, dá - e muito.
Que nós, mulheres, possamos explorar novos assuntos, gostos, para além das dores causadas pelos homens, e por nós mesmas. Que encontremos paz, mesmo com os problemas sem solução, em plena neblina.
Um beijo,
B.
Indicações da Semana #02
🎧 Indicação de podcasts: Elefantes na Neblina - Apaixonada por uma voz e um pensamento de um dos três homens que assumem o podcast. Quase vivendo um Her da vida real, que fase k. Porém, um fôlego dos meus últimos dias.
🎵 Indicação de música: Waterloo - ABBA - apenas sintonize no refrão And how could I ever refuse? I feel like I win when I lose - eu devo tá ficando doida, mas em um dia que tudo deu errado essa semana, entrei num restaurante que tocava essa música e eu simplesmente entrei em transe. Abba, né? ABBA.
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Abraço e conforto foi o que essa news me deu, suas palavras dançaram comigo 💕💐 indo ouvir abba agora!!!