No dia nove de março, eu completei vinte e cinco anos. Pausa para um respiro. Vinte e cinco anos. Período em que o córtex pré frontal, responsável pela emoção e empatia, acaba de se tornar maduro. Idade em que os personagens de F.r.i.e.n.d.s tinham no primeiro episódio, da primeira temporada da série. Momento em que você se encontra mais próximo da segunda metade dos vinte-e-muitos-anos, do que dos vinte-e-poucos-anos (o que só se configura enquanto crise para aqueles de vinte-e-poucos-anos). Só sei que a primeira foto com essa idade disse um tanto.
Muito dada as primeirezas e começos de tudo, resolvi inaugurar um novo rolo na minha câmera analógica, bem no dia do meu aniversário. Pedi a uma amiga que fizesse um registro, e esqueci de avisar que era a primeira foto. O resultado foi esse. Uma imagem feita pela metade. Pela segunda parte. O que restou dos vinte-e-muitos anos. Com as árvores renascendo em verde de novo. Achei tão simbólico.
"Nós que nasceu no mato não faz aniversário, senhora"
Ela falou:
"Não precisa ser agreste, meu filho, precisa é agradecer"
Eisejuaz, 2021 p.19
Sempre tive dificuldade de comemorar aniversários. Lembro dos meus vinte anos. Sempre eles, os múltiplos de cinco. Efemérides por si mesmos. Resolvi celebrar na ilha da Gigóia, no Rio. Vestia um saia de renda preta, cabelo escovado, sombra em olhos. Chegando lá, a reserva tinha sido cancelada, sem aviso prévio. Com o rímel todo derretido, precisei realocar mais de cinquenta corações para a pizzaria mais perto, sobrando apenas choro e muito queijo.
Mas a minha questão com aniversários precede esse acontecimento. Nunca tive aptidão para comemorações. A ideia de ter um dia só para mim, ou de um tapete vermelho estendido em uma escada enquanto todos me observam, me assombra a espinha. Não me leve a mal, sinto profunda gratidão por estar viva por mais um ano. Mas, se pudesse, escalaria uma montanha e ficaria por lá. Sozinha. Sem sinal. Sem ninguém. Só eu o Silêncio. Que nos melhores dias, é a maior companhia.
Mesmo não afeita as festividades, aprecio os rituais. Curiosa para descobrir como eram feitos os ritos de celebração daqueles que me cercam, cheguei a algumas respostas singulares: andar de bicicleta de manhã sozinho por um percurso inexplorado; cozinhar um bolo de chocolate “lembrando de todas as versões que me trouxeram até aqui”; alimentar os ancestrais com o primeiro pedaço; usar coroas de plástico o dia inteiro; roupa branca; ver os fogos na praia; comprar as próprias flores de manhã; ler um livro de poesia e comer abacaxi.
Esse ano, meus rituais se estenderam por uma semana. Vi todos os filmes que mais aqueciam meu coração, no maior estilo Dança comigo?, versão japonesa e estadunidense. Me permiti não me cobrar tanto, e tirei fotos com um fotógrafo. No dia, lembrei das palavras da minha psicanalista. “O aniversário é seu, você pode fazer exatamente o que você quiser". Assim, o inaugurei com uma tigela de açaí mesmo com frio, sem culpa. Levei minhas amigas para um café da manhã regado a fofocas, dancei na chuva voltando para casa, descansei, e saí com outro grupo de amigos para um restaurante escuro e quentinho no centro da cidade.
Mas creio que o meu verdadeiro presente para mim mesma foi ter assistido a um filme em plena meia noite que iniciava meu aniversário. A escolha foi pelo longa-metragem Dias Perfeitos, do Wim Wenders, com o mesmo ator de Dança Comigo?, Koji Yakusho, do qual sou fã. Confesso que o cartaz da obra não havia me tirado para dançar, e por não conhecer a história, fui postergando e postergando aquilo que entraria na estante dos meus cinco filmes favoritos de toda vida.
A obra que nasceu da idéia de um documentário sobre os belíssimos, e impecáveis arquitetonicamente, banheiros públicos de Tóquio, conta a história de Hirayama, um homem responsável pela higiene pública da cidade. Todos os dias, ele acorda ao som de um vizinho varrendo as folhas caídas na rua, levanta, rega as plantas, põe o uniforme, respira o primeiro ar da manhã quando sai de casa, e dirige para o trabalho escutando músicas em fitas cassete. Ao longo do itinerário, concede uma pausa para almoçar e tirar uma foto da mesma árvore - que todos os dias é diferente. Quando retorna a casa, lê um capítulo de um livro, e dorme.
Essa é a sinopse do filme, que se repete diversas vezes, e que me prendeu até o fim. Isso porque a singeleza do enredo encontrou consonância com tudo aquilo que ando dedicando meu tempo, minha escuta, e minha alma. E que mais recentemente, entendi como meu despertar. É aquela velha história, enquanto você não atingiu a revelação, are os campos e encha as bacias de água. Depois que você atingir a revelação, are os campos e encha as bacias de água.
Não existe mistério, nem dia perfeito. O que existe é a aceitação da inevitabilidade necessária para abraçar a vida como ela é.
No dia do meu aniversário, umas das minhas melhores amigas desse lado do oceano, sem saber de nada disso, me deu um presente com um cartão no meio. Ele estampava uma árvore de flor de cerejeira na capa, e dentro, ela me dizia:
I choose this card because you are born around the time of the cherry blossoms in Paris. It's a beautiful time of life slowly waking up and blossoming around us. It made me think of you because I feel like you are entering a new season of your life. After winter, comes spring, and after blooming, you bare fruits. Can't wait to see what will continue to happen to you this season. Sending you so much love, G.”
PT: “Eu escolhi este cartão porque você nasceu por volta do tempo das cerejeiras em Paris. É um momento lindo da vida, lentamente despertando e florescendo ao nosso redor. Isso me fez pensar em você porque sinto que você está entrando em uma nova temporada de vida. Depois do inverno, vem a primavera, e depois da floração, os frutos aparecem. Mal posso esperar para ver o que continuará acontecendo com você nesta temporada. Te enviando muito amor, G".
No mais, que eu consiga me lembrar, até quando esquecer, que a verdadeira comemoração é honrar a vida em vida, celebrando todos os dias im?perfeitos.
Boa sorte com os campos e com as bacias d'água,
Até a próxima,
B.
Indicações da Semana #07
🎧 Indicação de álbum: Cowboy Carter - Beyoncé (é sério que vocês pensaram que algo poderia estar aqui além disso? Meus destaques até agora: Blackbiird, 16 Carriages, My Rose e Texas Hold'em - as boiaderas não dá pra encarar!!!)
▶️ Indicação de vídeo e livros: Todos os livros que eu li em março (2024) - Vocês não tão dando conta do quanto eu estou amando fazer esses vídeos e voltar para o Youtube! Os melhores comentários e as trocas mais gostosas. Gratidão mesmo!
Indicação de serie: Ted Lasso (tô atrasada pro rolê, né? Mas não me importo, o quanto essa série fala muito mais do que só sobre futebol, ai, ai, goldfish for life <3)
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B.