#38 hay que regresar el pasado sabiendo que el pasado es lo que más cambia
ser faixa branca na vida, para que servem os diários e annie ernaux
Recentemente, finalizei um diário que regava desde setembro do ano passado. Tinha acabado de pousar em São Paulo, depois de um ano morando em Paris, e retomado a terapia. Na primeira página, estava um esboço dessa primeira sessão. Sempre gostei de desenhar os sentimentos depois de cada análise, por no papel para não me esquecer - o que depois precisei rever enquanto apego. Mas, naquele momento, existia uma régua, com as inscrições: inconsciência, consciência e ação. Seguido de definições sobre a diferença entre independência e autonomia, e o puxão de orelha de uma amiga muito sábia, citado entre parênteses.
Depois vinha uma folha, dividida em quatro: gosto x não gosto, quero levar x quero deixar, que uma outra amiga disse que era bom que eu o fizesse. No dia, estávamos bebendo, sem saber, o café mais caro de São Paulo, quando ela, sabendo muito sobre mim, fala: meu bem, você precisa seguir em frente, e perceber o que você aprendeu com tudo isso. Assim, quando cheguei em casa, montei o origami da minha vida. Uma espécie de venda de móveis e cacarecos da casa, no jardim da própria casa. Ficar. Doar. Vender. Igual os programas de reforma do Discovery Home & Health.
Uma espécie de venda de móveis e cacarecos da casa, no jardim da própria casa.
Foi o que o exercício-origami me possibilitou. Observar muito do tudo que havia acontecido em um ano morando fora pela primeira vez, por meio de uma extensão da consciência. Ou o jardim de uma casa. Reposicionar os itens que entrariam, aqueles que permaneceriam, e outros que já não cabiam mais. O processo de aprendizagem daqueles que ainda se consideram faixas brancas, no jogo da vida.
Falando nelas, desde que saí da casa daqueles que sempre me foram casa, gosto de observar minha vida como em temporadas. Assim, o meu diário, que terminou ontem, representaria a terceira temporada, enquanto hoje já me encontro no meio da quarta. Tanto as temporadas, como os capítulos, abraçariam a ideia de observar a vida como um livro. Como um oráculo. Algo que em última instância se comunicaria comigo diante de tantas mudanças de locação e elenco. Um desafio incrível para aqueles que além de protagonistas, gostariam de ocupar as funções de diretor e roteirista da própria vida.
“Hay que regresar el pasado sabiendo que el pasado és lo que más cambia” A Sociedade da Neve (2023)
Annie Ernaux, vencedora do prêmio Nobel de literatura, e minha paixão nos últimos tempos, escreveu que nutre dois diários. Um para os acontecimentos de cunho mais pessoal, e um voltado para a própria escrita. Para ela, ambos seriam um local do desfrute. Da completa fruição. Sem a preocupação com a edição, ou com a transformação do texto para o olho do outro. Este último, para a escritora francesa, estava no espaço de criação da literatura em si, o “canteiro de obras”.
Já na metade da escrita da minha dissertação de mestrado pude entender o que ela quis dizer. Enquanto estive em São Paulo, anotei os mínimos detalhes e as mínimas percepções que me aconteciam em campo no meu diário de pesquisa - que aqui na França, eles chamariam de journal de terrain. Lá eu podia bradar de medo, expor minhas inseguranças e meus desconfortos. Um diário de duzentas páginas que em sua integralidade, muito provavelmente, ninguém um dia leia.
Já a minha dissertação, que aqui se aplicaria a obra literária - e que eu faço um grande esforço para preservar a poesia, no meio de tanta academia, se alimentaria do diário, mas cortaria. Editaria. E traria novas “citações” para a mesa. Ou seja, se a escrita de um livro fosse um canteiro de obras, o diário seriam os tijolos que nos permitiriam moldar a casa, com a vista do jardim. Até você não reconhecer mais a própria casa. Mas isso já é história para uma próxima newsletter.
No mais, se por um tempo acreditei que o diário fosse uma forma do não esquecer, hoje percebo mais como uma forma de não perder de vista: a própria vida.
"Viajei muito nos últimos quinze anos por causa do meu livro, para muitos países da Europa, da Ásia, do Oriente Médio, da América do Norte, realizando assim meu grande sonho de infância de partir, ver o mundo (…) E depois para viver as coisas intensamente, preciso revivê-las (…) nunca penso em mim como escritora, apenas como alguém que escreve, que precisa escrever. Nesse sentido não tem porque fazer disso uma coisa grandiosa”.
A escrita como faca e outros textos (ERNAUX, 2023, p.33 e 34)
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Indicações da Semana #09
▶️ Indicação de vídeo e livros: Todos os livros que eu li em abril (2024) - Fiquei muito feliz de ter conseguido colocar o vídeo no ar mesmo depois de um mês tão conturbado e atarefada com o fim da dissertação do mestrado. O resultado foi uma seleção bem heterogênea de indicações que casou com alguns temas da pesquisa, e outros da vida pessoal também. Por lá, assim como por aqui, eu encontro os melhores comentários e as trocas mais gostosas <3
▶️ Indicação de Série: Baby Reeinder - Essa não é uma serie sobre stalker. Quer dizer, não apenas. Ela é principalmente uma série sobre abuso. E com isso bem claro, reitero aquilo que já disse no meu Letterboxd, o monólogo que ascendeu o protagonista a um relativo sucesso, presente no penúltimo capítulo, é tão visceral que chega a ser delirante. Definitivamente, não sei como este homem foi capaz de viver, sentir, rememorar, escrever, atuar e dirigir todo seu trauma inicial. Talvez, uma das aventuras mais vulneráveis presente nos streamings dos últimos tempos.
▶️ Indicação de Música - Últimos cinco minutos de Olivia Dean no Coachella, cantando Dive - que sintetiza tudo, tanto. Ai, ai, coisa mais linda, perde isso não.
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eu sinto tão intensamente sua escrita! sempre cheia de sentimentos que batem aqui também. é de uma beleza sem igual! <3
gostei demais de acompanhar sua leitura com Ernaux que tbm sempre reverbera por aqui!