#39 as múltiplas possibilidades de ser a mesma pessoa
amy, madonna, jean paul sartre e a pior pessoa do mundo
Nesse final de semana, contrariando a todos os conselhos de amigos próximos e resenhas no Letterboxd, entrei na sala de cinema para assistir ao mais recente filme, baseado na vida e na obra, da cantora Amy Winehouse. O longa com estréia prevista para hoje no Brasil, se chamava Back to Black, em uma clara referência ao álbum mais popular da artista, que conta com a tríade sagrada em sequência de: Rehab, You Know I'm no good, e minha favorita de todos os tempos, Me & Mr Jones.
Logo nas primeiras cenas, tive a nítida impressão de estar assistindo a um filme de baixo orçamento - o que definitivamente não corresponde com a realidade de 30 milhões de doláres investidos na produção. Sabe quando tentam encaixar páginas e mais páginas da biografia de um artista, em um diálogo completamente inverossímil, para situar os telespectadores no que deveriam imergir? Era uma vez uma garota chamada Amy… Pois então.
Fiquei pelas músicas, que na versão a capela sempre elevam meus pelos e descem minhas lágrimas, e por querer saber mais também sobre a vida daquela que, mesmo parecendo uma mulher de antigamente, só soube viver o presente. Ao final, precisei dar razão a todas as boas almas que tentaram sem sucesso me poupar de assistir a produção da diretora de Cinquenta Tons de Cinza. Quando me levantei da cadeira de forro de veludo vermelho, escutei inglesas cochichando atrás de mim: “sabe o que eu odiei nesse filme? que tudo vira sobre o cara! você já viu o documentário? você precisa ver o documentário!”. E lógico que, como se ela estivesse falando comigo, corri para casa, para assistir o tal documentário.
AMY produzido pela queridinha A24, que não é de hoje que ostenta uma seleção de obras incríveis, data de 2015. Mas poderia ser de 2055, ou 2105. Porque Amy estava lá. Com todos os silêncios preenchidos. De maneira analógica. Em vídeos caseiros, gravações de vozes e os mesmos olhos verdes que ela levou até o fim da vida. Sem falar nos dentes. Prontos para abocanhar o que passasse na sua frente. As vezes, eu penso que ela precisou correr a vida inteira para acompanhar a própria voz. Como se esta, em formato de eco a guiasse para um ego que nem era o dela. No fundo, fiquei com a impressão de que Amy, não almejava a fama, nem o dinheiro - comportamento em completa extinção nos artistas atuais -. Para ela, o importante era casar com o amor de sua vida, ter filhos, e cantar em pubs de jazz em Londres por toda vida.
Se o que mais me prendeu em Amy foram os dentes, para além do ouro e dos cabelos pra cima, o que mais me chocou em Madonna foram as pernas. No último show de sua Celebration Tour na praia de Copacabana, a artista começou a narrar o que seria aquela noite de sábado: vou contar a história da minha vida para vocês, como se estivesse lendo do meu diário. O que se seguiu foi um verdadeiro evento histórico, em um show apoteótico e inesquecível sobre a importância dos sonhos, de abraçar a si mesma de quarenta anos atrás. Sobre a conscientização da AIDS. Simulações de igrejas catÓLicas, mastURbação, mamYlos, e perna aberta.
As pernas sempre abertas. O tempo todo. Sentada. Tocando violão. Tocando uma. Ou em pé. Uma postura que nunca vi antes, em mulher alguma, em cima de um palco. Em determinada ocasião, ela chega até abrir as pernas da Anitta, enquanto a cantora posava na cadeira ao seu lado. Em nenhum momento, aquilo me soou invasivo. Aquilo me tocou como algo que ainda nem tenho palavras para dizer.
Amy e Madonna. A primeira morta aos 27, a segunda vivíssima aos 65. Dentes e pernas escancaradas. A vontade de morder e de ser mordida. Confesso que sinto saudades de quando os artistas não tinham tantas amarras, ou talvez não fossem tão amordaçados. Quando as músicas tinham mais de quatro minutos, e não existiam cursos de alfabetização às causas progressistas afim de evitarem cancelamentos. Penso eu que existia mais verdade. O que quer essa palavra signifique hoje em dia. No meu dicionário pessoal, ela inclui um arsenal de coisas feias, como também, de muito bonitas.
Para além das imersões das cantoras que realizei casualmente nos últimos dias, no meu tempo proveitoso - um dos melhores ensinamentos que tive: administrar o tempo produtivo com o proveitoso, este último inclui a feitura dessa newsletter por exemplo - reassisti ao filme norueguês A Pior Pessoa do Mundo. Mas um que eu desperdicei em encontros no cinema, em 2021. Na época, inclusive, lembro de pensar que não conseguia acostumar meus ouvidos a uma língua que não fosse o inglês em um filme com mais de duas horas. Tolinha, olha ela, terminando uma dissertação de mestrado em francês três anos depois.
A Pior Pessoa do Mundo conta a história de uma mulher - escrevendo essa frase, precisei até parar para gargalhar um pouco - lógico que a pior pessoa do mundo, seria: uma mulher. Retomando. No começo do filme, ela se dedica aos estudos de Medicina, portando um cabelo bem loiro odonto. Depois, resolve que quer fazer na verdade Psicologia, e muda as madeixas para o rosa. Depois corta, e decide por fim, ser fotógrafa. Até conhecer alguém e começar a trabalhar em uma livraria, enquanto ainda não tem certeza sobre o que fazer.
A pior pessoa do mundo conta a história de uma mulher, tentando se encontrar aos trinta anos, com todos os privilégios que seu entorno a garante, bem aos moldes dos países nórdicos. Mas o que me tirou para dançar no filme foram as múltiplas metamorfoses e possibilidades de ser a mesma pessoa. Concordando com os pensamentos de Sartre, diria que sou muito mais afeita ao existencialismo, que a filosofia essencialista. Para mim, não há dúvidas de que a existência precede a essência, e por esse motivo qualquer discurso com o tom "Seja você mesma", "Encontre o seu estilo de vida”, me apavoram a espinha.
Julie, protagonista do filme, não era a pior pessoa do mundo, assim como não foi Amy, ou Madonna. Todas elas, mesmo execradas, apenas fizeram o que estava ao alcance de suas mãos, dentes e pernas. Com todos os limites, kharmas, dharmas, possibilidades geográficas e financeiras que as cercavam.
Porque no final de todos os filmes, turnês e caixões, nós somos o nosso meio - que nunca é o pior, nem o melhor do mundo. Por mais determinista que isso possa soar, e talvez cheio de obviedades, o nosso meio altera a mensagem que deixamos nesse mundo. E isso é lindo. Não somos feitos sozinhos. Nem no princípio, e por sorte, nem no durante.
No mais, como diria Madonna, não esqueçam da onde vocês vieram,
Um beijo,
B.
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Indicações da Semana #10
Se não somos feitos sozinhos, permitam-se serem abalados pela tragédia que está assombrando o Rio Grande do Sul. Informem-se e destinem suas ajudas as causas que mais te afeiçoarem e sejam possíveis para o seu contexto.
Recomendo fortemente os perfis da Mari Krueger e da Clariana Leal!
▶️ Indicação de vídeo e livros: Todos os livros que eu li em abril (2024) - Fiquei muito feliz de ter conseguido colocar o vídeo no ar mesmo depois de um mês tão conturbado e atarefada com o fim da dissertação do mestrado. O resultado foi uma seleção bem heterogênea de indicações que casou com alguns temas da pesquisa, e outros da vida pessoal também. Por lá, assim como por aqui, eu encontro os melhores comentários e as trocas mais gostosas <3
▶️ Indicação de álbum - Amy Winehouse at BBC. Podia ser outro?
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& menos de uma semana após a última vc nos abençoa com outra newsletter 🙏🏻 oq eh isso, um sonho? vamos ficar mimados
❗ petição pra beatriz colocar os diarios dela em dominio publico preciso ler como essa cabecinha funciona com essa frequencia ❗
Meu pelos também se elevaram com seu texto. Que arraso!