Semanas atrás, seguindo a bússola de um grande amigo, fui com o endereço anotado em papel, até uma feira de fotografia. O nome, Polycopie.
Poli, muito, copie, cópia. O evento faz referência ao próprio processo gelatinoso de reprodução da gravura, em abundância — e reúne desde 2014, fotógrafos independentes e foto-livros, no barco Concorde Atlantique, às margens do rio Sena.
Lá, encontrei uma poli e pluri quantidade de artistas. Japoneses, cubanos, italianos, todos presentes em uma plataforma sob um rio que refletia luz. Também não pude deixar de levar para casa, alguns exemplares que mais me arrepiavam a pele. O primeiro foi um livro de uma italiana que estava no evento, e que tinha dedicado os recentes anos de sua vida a conhecer as casas de jovens mulheres na Europa e nos Estados Unidos, com o intuito de descobrir um pouco mais sobre suas diferenças e semelhanças. As imagens eram belíssimas.
O segundo era um testemunho em fotos de um jovem chamado Raisul, originário de Dhaka, capital de Blangadesh. Que em uma tentativa de deixar de ser "preguiçoso", decidiu tirar mais fotos de sua família, um pouco antes de se mudar para os Estados Unidos. O livro ainda traz alguns depoimentos, poemas e textos que narram o seu êxodo e seu compromisso com as lembranças que ainda o habitam.
E o último, foi na verdade uma revista com a Vivian Maier na capa. Já conhecia Vivian de algum lugar. Talvez por existirem poucas mulheres fotógrafas devidamente reconhecidas, mas não conhecia sua história.
Vivian nasceu em Nova Iorque, em 1926, mas passou sua infância em uma vila com sua família chamada Saint-Julien-en-Champsaur, nos alpes franceses. Mesmo construindo toda sua vida adulta nos Estados Unidos, a França, segundo pesquisadoras que li, foi responsável por a esculpir nos mais diversos estilos, gostos, preferências culturais e hábitos alimentares.
Tendo comprado uma câmera pela primeira vez em uma viagem de retorno as origens francesas, com 24 anos, em um primeiro momento, Maier sonhou em ser fotógrafa de cartões postais. Sonho que rapidamente se esvaeceu devido a sua condição financeira e de gênero. Logo, durante toda a sua vida se ocupou do cargo de babá, e manteve a fotografia em paralelo, como paixão, para preservar sua autonomia.
Das paisagens, ela se tornou fotógrafa de rua, e se localizou durante sua vida adulta, principalmente, em Nova Iorque e Chicago, documentando as mutações sociais e políticas do sonho estadunidense e da modernidade entoada a todos os custos. Uma realidade em profunda discrepância com os seus valores de camponesa francesa.
Foto: Vivian Maier, Coney Island, New York (Couple Kissing at Beach)
Ela nunca chegou a ser reconhecida em vida, e sua trajetória é hoje esculpida por alguns especialistas que se viram imersos nesse mistério. Entre eles, John Maloof que ao comprar negativos em um leilão para um livro que estava escrevendo, acabou encontrando a fotógrafa amadora, que em vida teve mais de 150 mil negativos, entre eles centenas de auto-retratos.
Muito me encanta essa babá acumuladora que dedicou sua vida a documentar tudo que via, de maneira trágica, amorosa e muito intensa. Uma vida dedicada a mais que uma paixão, a uma vocação que por ironia do patriarcado, não pode se tornar profissão.
Hoje, compartilhando do mesmo solo de suas origens, e tendo quase a mesma idade que ela tinha quando disparou seu primeiro filme, me vejo compelida a ser mais uma a desvendar dos seus mistérios. Na teimosia de querer registrar memórias de si mesma e daqueles outros-muitos-pluris e polis. Ao inventar uma escrita em imagens. Em policópias.
Penso isso ser belíssimo.
Fotos: Arquivo Pessoal. (Budapeste, 2022)