#03 nunca imaginei conhecer o Leste Europeu
Para ser bem verdadeira, nem sabia na prática o que designava essas duas palavras — que na verdade, podem significar algumas coisas. Mas na lógica turística convencional, quer dizer quatro cidades, milimetricamente nesta ordem: Praga (República Tcheca), Viena (Austria), Bratislava (Eslováquia) e Budapeste (Hungria).
Assim, aproveitando o feriado francês combinado de Todos os Santos, viajei para seis países — com escalas no começo e no final, em apenas dez dias. Seis países, dez dias, quatro mulheres e alguns jeans viajantes que trocamos com muita parcimônia e sororidade ao longo da viagem.
Nossa primeira escala foi em Frankfurt, na Alemanha. Por lá, ficamos apenas um dia-sem noite porque essa economizaríamos no ônibus para Praga, Républica Tcheca. Assim, fomos correndo ao mercado público Kleinmarkthall comer as verdadeiras salsichas alemãs, e dar uma volta em uma feira local que acontecia naquele dia. O bizarro foi que, em meio a algumas roupas, jóias e bugigangas, uma de nós encontrou uma senhora que vendia cartões portais, que ao ser perguntada quanto era, resolveu simplesmente nos dar toda a caixa, sem precisar pagar um tostão. Não sabemos se a senhorinha alemã estava com excesso de mercadoria, ou se achou que aquele era o destino ideal para os cinco kilos de cartão postal, só o que sabemos é que revezamos igual um bebê abençoado com quatro comadres, aquela sacola até o final do dia.
Quando chegamos na rodoviária pegamos os nossos cartões favoritos, e deixamos a sorte para outros mochileiros que, por ventura, quisessem se esbaldar também. Acho que naquele momento, algo aconteceu, porque assim que depositamos os cartões no chão, o que era três horas da manhã virou-se em duas. Tínhamos esquecido completamente da revogação do horário de verão, e assim, deixamos nossos antigos compassos e cartões postais alemães no chão, em direção à Praga, com uma hora a mais e sem olhar para trás.
Praga nos recebeu com o sol nascendo, e logo percebemos que não fazíamos ideia do que se passava nas placas, corredores ou estações de ônibus. O idioma e a moeda nacional eram incompreensíveis em tudo, mas o sorriso dos passantes e o cheiro da comida local nos acolhia em profusão.
Assim, sentamos em um restaurante bem local, indicação de amigos próximos, chamado U Kalendü. Rapidamente, identifiquei alguns traços da cultura tcheca. Lá, a ostentação-instagramável não tem a menor vez. Os restaurantes são sólidos, simples, limpos e comuns, e a culinária é fruto dos resquícios da guerra, com muita batata, carne, sopa e pão.
Depois, seguindo a simplicidade regional, nos instalamos no nosso primeiro hostel, que atenciosamente, separou um quarto só para nós quatro. Descemos a rua, para conhecer a cidade e nos preparamos para o resultado das eleições, que, mesmo com quatro horas de fuso horário, foi muito celebrada — Lula foi anunciado em gritos e dançinhas pelas ruelas e vielas tchecas em plena madrugada.
Desse jeito, fomos brindar a vitória com uma especialidade de Praga que encantou todas as nossas salivas e apetites: o Trdelník. Trata-se de um rolo cilíndrico assado e polvilhado com açúcar, canela e amêndoa; o mais tradicional é servido puro. Mas atualmente há muitas variações de recheios, com chocolate ao leite, branco, sorvete e até mesmo whipped cream. O meu favorito foi o de chocolate ao leite, com morangos e whipped cream
PS: que saudade do meu "cone", apelido que demos na larica e na correria dos dias, na "Tcheca".
Preciso dizer que a comida de Praga foi uma surpresa muito grande. No dia seguinte, fomos tomar café da manhã no restaurante cubista Grand Café Orient onde provei o melhor chocolate quente da minha vida. Em seguida, fomos no museu do Kafka, que eu fazia questão de conhecer, andamos de barco pelo rio Vlatava que corta a cidade, e caminhamos por uma das cidades mais belas e acolhedoras que já tive o prazer de conhecer.
Em meio a castelos, praças, cones, rios, neblinas, vielas e ruelas muito simples, a grande pérola do Oriente me encantou demais. Como já dizia o próprio escritor de metamorfose, “Praga não deixa a gente ir embora, esta velha tem garras".
(Continua).
(Em breve, com fotinhas analógicas para rechear tudo).