Saímos de Praga era madrugada ainda, a neblina nos acompanhava até a estação como sombra. Lá, sem placas, nem funcionários, ficamos paradas esperando o ônibus para Viena.
A viagem de Praga a Viena costuma durar 4h30, e a partir de agora, nossos trajetos seriam bem menores do que estávamos acostumadas.
Chegando no hostel, fomos muito bem acolhidas. Na recepção, existia um telão gigante que passava um vídeo de bebês acarinhando cachorros, que por sua vez, também eram bebês, o que deixava qualquer viajante mais propenso a ter uma experiência positiva - um belíssimo truque de marketing.
Saindo pela primeira vez pelas ruas da cidade, percebemos que estávamos no fatídico dia do feriado. Ou seja, as únicas instituições públicas abertas eram: o Museu Nacional e o churrasquinho grego da nossa esquina.
Assim, comemos os melhores kebab’s das nossas vidas, com muita pimenta e muita fome, e fomos andar sem rumo pela cidade. Encontramos o Museu Nacional mas decidimos não entrar, para conseguir passear pelos demais parques que exibiam árvores em cores outonais próximas de algum paraíso.
No dia seguinte, marcamos um free walking tour com um guia da Noruega, que mais parecia o Jake Gyllenhaal. A excursão foi simplesmente excelente para nos mostrar, em pouco tempo, o mínimo que deveríamos entender sobre a capital da Aústria, eleita a cidade com melhor qualidade de vida do mundo - por dez anos seguidos.
Conhecida pelos seus habitantes como Freud, Klimt, Egon Schiele, Mozart, e claro, Arnold Schwarzenegger, a cidade exclui completamente a figura de Hitler do seu hall de figuras célebres. Também se considera Centro, e não Leste Europeu, e possui no seu histórico a criação do croissant. Essa história fez valer para mim todo o tour, aqui vai.
Em 1863, os austríacos após ganharem a Batalha de Viena, decidiram criar uma massa no formato do desenho da bandeira turca (lua crescente), que era conhecido pelo nome de Kipferl. O movimento de mastigar o símbolo mais importante dos turcos, em uma nítido ato de desrespeito completo aos oponentes, deu origem ao croissant; uma das iguarias mais famosas da culinária francesa, que é feito em locais próprios, como as padarias “Boulangeries - Viennoiseries”, justamente porque vem de Viena.
Após o tour, fomos ver alguns cavalos que vivem no centro da cidade e andamos até um restaurante paquistanês, muito recomendado, que o mote era: coma o que conseguir, pague o que quiser.
Depois, nos dividimos. Uma parte foi conhecer o Museu Albertina, e a outra, a casa de Freud - óbvio que o meu desejo foi para a segunda. Além de ver o divã que Sigmund atendia seus pacientes, e o quarto que dividia com sua amada Martha, a melhor parte foi ter conhecido o museu pelo Facetime com a família da Isa, todos psicanalistas, que fizeram uma visita teleguiada com a gente.
No dia seguinte, arrumamos nossas malas e nos despedimos do berço da psicanálise, em direção a Bratislava, Eslováquia. Ficamos apenas algumas horas no país que acaba de eleger a sua primeira presidenta mulher, em uma nítida oposição ao adversário com ligações com Órban, o que já me proporcionou uma simpatia imediata.
Lá, conhecemos uma galeria de fotografia, cuja recepcionista não falava uma palavra em inglês e brincava com um cachorro preto imenso. Depois, comemos em um restaurante francês sensacional. Acho que já falei isso, mas me permitam repetir, todas as comidas que tive o prazer de experienciar nessa viagem foram excelentes, sem nenhuma exceção.
No mesmo dia, partimos em direção a Budapeste. Chegamos com o céu já bem escuro, e aqui vai um pequeno desabafo. Conheci a Budapeste de Chico Buarque, antes de conhecer a Budapeste de Viktor Orbán. Trouxe o romance do astro da MPB debaixo do braço para a viagem, cujo o titulo é o nome da cidade, e antes de escutar o primeiro szai no metrô, já sabia que o húngaro era “a língua que até o diabo respeitava”.
E por essas e outras, me decepcionei muito com a cidade. Talvez por que o clima até esse momento tão instável e agradável, esfriou muito. Talvez pelo fascismo de Orbán que mandou fechar vários museus que queríamos ter ido. Talvez por ter lembrado de Bolsonaro. Ou talvez, porque romantizei demais mesmo.
Chico já dizia, que existem duas BudaPestes, uma amarela e outra cinza, e acho que em todos os momentos eu só vi a cinza. Para não dizer todos, no dia que fomos as termas e não vimos a cidade lá fora, foi maravilhoso, mas o amarelo estava em nós.
Na volta, antes de partirmos para Paris, fizemos uma pausa em Bérgamo, cidade italiana, mais especificamente na região da Lombardia. O plano inicial era irmos para Milão, pela proximidade, mas devido ao cansaço optamos por conhecer a cidade que não costuma ser o destino final dos turistas, mas que podia ser a nossa sorte de um milhão - existiria outras milão’s para irmos, sempre que pudéssemos.
Assim que chegamos à cidade, percebemos que fazia um dia de sol lindíssimo, que junto com o italiano chegando aos meus ouvidos me derretiam toda. Acho que foi um dos dias mais lindos da minha vida. Comemos em uma cantina italiana chamada Sol, com o melhor ragu de todos os tempos, depois compramos sorvetes de pistache com nozes e passamos por lugares que gravaram o filme Me chame pelo seu nome. Tudo parecia um sonho, a cidade alta e a cidade baixa.
No final, quis trazer algo da Itália comigo e comprei uma frigideira azul de peixinhos laranjas de um comerciante no meio da rua. Aquela panelinha me emocionou em níveis um pouco ridículos, sim, eu virei a tia Odete do pano de prato, mas eu estava em estado de graça.
No fundo, o sangue é mediterrâneo. Aprendi muito com o Leste, mas a bússola aponta para o Oeste. Portugal. Espanha. Itália. Grécia e Turquia.
(Continua, não tão em breve).