#10 o sujeito suposto saber
Se posso usar desse espaço como um chaise longue ou um divã de pintura, preciso dizer que a França não te abraça.
Muito já me foi perguntado o motivo de eu ter escolhido me aprofundar nos estudos antropológicos da América Latina, na Europa. Em um primeiro momento, denota-se uma certa contradição, visto que na concepção brasileira nada melhor do que estudar sobre algum lugar, pertencendo a aquele próprio território. Porém, as razões e os caminhos que me levaram a cidade-luz foram puramente acadêmicas.
Logo, eu, uma amante dos eternos começos, me vi deslumbrada ao pensar que poderia estudar em um país que classificou aquilo que seria chamado de América Latina, e muitos dos conceitos da própria Antropologia. Fazendo uso da honestidade, a França em si nunca foi uma opção originalmente estética ou cultural.
Hoje, percebo que fui completamente enlaçada pela ideia que Lacan um dia teorizou do sujeito suposto saber. Ou seja, uma identificação imaginária com determinadas figuras às quais são projetados conhecimentos que elas não tem. Um mecanismo que pode funcionar para pais, mães, mestres, ou até mesmo psicanalistas.
De todo modo, fui induzida, e aqui cito as análises de Frantz Fanon e Albert Memmi, na psicologia do colonizado frente ao colonizador. Quando o eurocentrismo e seu efeito neocolonialista de soft power se impõem sobre os países em pleno desenvolvimento afirmando que a grama deles sempre será menos azul (verde) e amarela.
Mas voltando ao propósito desses textos de final de semana, de ser um desabafo, e não uma análise conjuntural — assim que cheguei, me dei conta da verdadeira cor dessa relva vermelha, branca e azul. E que a verdade é que a França não te abraça.
Pelo contrário, em todo momento é dito e não-dito a você que você não pertence. Que o seu francês não-lapidado é digno de uma resposta em inglês, afinal você ainda não chegou lá. Constantemente é reafirmado que todos são franceses, em liberdade-igualdade-fraternidade-amém, porém as diferenças são aniquiladas e colocadas em baixo de todos os tapis de vernissages. Um inverso no espectro dos Estados Unidos, que mesmo com todos os guetos, existe em uníssono, e isso é celebrado.
Aqui a palavra raça não existe, e sim o culto ao étnico. O outro se configura então como o eterno exótico, o não-francês, que precisa ser estudado mesmo quando não pertencido. Creio que as palavras de lugar de fala de Djamila ou qualquer resquício de decolonialidade ainda engatinha nesse lugar, e assim, sem querer-querendo você começa a habitar uma terra que não te quer tão bem, mesmo te considerando pakas.
Esse texto não tem um fim. Só um começo. Foi uma forma de espirro a tanta poeira que se acumulou debaixo do meu nariz nos últimos tempos. Mas, mesmo com tudo isso e muito, há de existir espaço para a complexidade, e para a beleza. Assim, sigo grata a tudo que me trouxe aqui, e pela percepção de mundo tecida artesanalmente com tantas línguas, saberes e sabores diferentes.
No mais, fico com o detalhe da poesia e da antropologia, no ofício diário de ser e não-ser alguém.