#42 criar histórias sem se tornar um personagem de si mesmo
final de mestrado, confluências e Kumaré
Duas segundas-feiras para trás, defendi a minha tese, e recebi o título de mestra em Antropologia pela universidade francesa Sorbonne Nouvelle. Por quase dois anos, fui um rio que se dividia em dois. O rio-eu que corria ao lado do córrego-dissertação. Como alguém que sempre prolonga o olhar, e encontra em paralelo, o seu próprio reflexo. Até que o dez de junho chegou no calendário, e eu, que por muito tempo me entendi no eterno gerúndio de ser uma mestranda, tornei-me mestra. Ponto. Um rio só. Confluência.
Criatura que se torna a própria criação. Eu produto de mim mesma.
Assim que saí da banca, dei pulos pelas escadas, já marcando com amigos de comemorar na frente do rio. Dessa vez, o Sena. Lembro que conforme as pessoas chegavam, e se sentavam a mesa, eu podia experimentar uma das sensações mais bonitas da vida. Quando se vive plenamente um momento de forma analógica. Quando o filme ainda está na câmera, e sendo revelado ao mesmo tempo. O momento em que já se pode assistir as memórias sendo produzidas pelo hipocampo, só precisando direcionar o olhar para onde o coração bater mais forte.
Pôr do sol. Céu rosa. Dez horas da noite. A mesa para seis ao ar livre. O cachecol azul royal de uma amiga ao meu lado. Do outro, duas pessoas que eu sabia que se dariam muito bem conversando sobre basquete e Nova Iorque. Minha melhor amiga fazendo todos gargalharem discursando a plenos pulmões sobre a não monogamia. E eu só conseguia me sentir o ser humano mais amado do mundo.
Logo eu, que pensava que o sonho habitava em um canudo. Descobri, cedo que cedo, que ele morava no depois. Quando as luzes se apagavam, as escadas se desciam, e os sorrisos e os braços se estendiam em mesa, me fazendo casa.
Uma semana depois, já em solos lisboetas, assisti ao documentário Kumaré (2011), disponível no Youtube. Nele, o cineasta estadunidense Vikram Gandhi realizava um experimento social onde se passava por um sábio guru indiano no meio do Arizona. Utilizando do seu próprio fenótipo, e do sotaque marcado conferido a alguns líderes indianos, Vikram se transformou, então, no mestre Kumaré.
A motivação para o projeto teria partido de uma dupla-crítica do documentarista aos líderes espirituais que poderiam se usurpar facilmente de fiéis tendo em vista seus benefícios próprios; como também a forma que os conhecimentos do Oriente estariam sendo consumidos pela cultura ocidental. Em seu TedTalk, Gandhi relataria o seu desconforto em assistir símbolos cultuados pela sua família a gerações virando estampa para tapete de yoga, no Wallmart.
Porém, na medida em que a narrativa vai tomando forma, vemos Vikram em Kumaré, e Kumaré em Vikram. Verdades em mentiras, e mentiras em verdades. Até que ponto pessoas acreditariam em indivíduos a partir de um único título? O de mestre. Seja ele, o espiritual, ou acadêmico. Na obra, em vários momentos, o líder fictício dispara frases no meio do experimento, como: “eu sou um igual a vocês”, ou “agora, fale com vocês em voz alta como se vocês fossem o seu próprio guru”.
No último dia, Vikram, envolvido em tensão, revela a sua verdadeira identidade. Alguns de seus seguidores partem imediatamente, sentindo-se ridicularizados. Mas a maioria permanece, não se importando com a revelação. Para eles, Kumaré era real, porque Vikram é real, e tudo que eles experienciaram também. Resumindo a questão, para eles, toda verdade seria fruto de uma ilusão.
“Faith begins as an experiment and ends as an experience”.
William Ralph Inge
O momento que mais me tocou em todo documentário foi quando Vikram percebe uma confluência dentro do experimento. Quando, em alguns momentos vivencia um acontecimento inexplicável a nível racional, ajudando os seus seguidores de maneira espiritual. Vikram concluí, então, que isso acontecia porque Kumaré ativamente olhava, escutava e se importava com as pessoas.
No mais, a cada dia me encontro no time daqueles que se recusam a se auto proclamarem de especialistas em algo. Aqui talvez caiba, inclusive, uma ressalva. Em nenhum momento, estou deslegitimando o saber científico acadêmico - uma causa que tanto admiro e despendo meu tempo em construir. Porém, ao concluir feitos, contamos histórias para nós mesmos. A mera elaboração de narrativas tem um valor social, cultural e psicológico extremamente importante para a formação de uma autoestima, e porque não, até de uma certa poética na vida.
A problemática estaria apenas, ao meu ver, no querer estancar o rio. Ou seja, cair no conto da máscara-mestre, ou até mesmo no querer se consolidar enquanto uma. Cativo de um personagem de si mesmo, rígido em próprio ego.
No mais, sonho com o caminho da fluidez, que possibilitaria apreciar os marcos enquanto estados. No mundo que eu construo, eternos gerúndios desbancariam performances. Com a escuta aguçada as vozes que desembocam em nossos rios - nunca estamos sozinhos - dissolvendo os egos em demasia.
Nesse mundo seríamos gurus de nós mesmos - quando olhamos, escutamos e nos importamos com o outro,
Até a próxima,
SOMOS 1K!!!!!!é!!!!!!! se você me acompanha e gosta do meu conteúdo, considere entrar e contribuir com 10 reais mensais: https://apoia.se/bgvls.
Indicações da Semana #13
▶️ Indicação de vídeo e livros: O vídeo mais esperado e pedido por vocês: Tudo sobre o meu mestrado na França. Sim, menina, respondi a todas as perguntas que chegaram pela caixinha no meu Instagram. Segui a edição do último vídeo de leituras, e amei o resultado. Por lá, assim como por aqui, eu encontro os melhores comentários e as trocas mais gostosas <3
🎥 Indicação de Filme: Alguma dúvida que juntando Guadagnino, Zendaya e Josh O'Connor ia ser sucesso? Fiquei chocada & perplexa quando percebi que muitos estadunidenses detestaram o filme, comentando na própria página da Z. Coitados. Perdoe eles, ó pai, eles não sabem o que dizem.
🎵 Indicação de Música: Se você me segue no Instagram ou no TikTok com certeza ja me viu falando da braba: Raye. Vencedora de 6 Brit's Awards incluindo Álbum do Ano em 2024, a mona não ganhou nem cheiro de Grammy, e talvez por isso ainda esteja circulando em uma bolha - mais um momento em que eles provam que não cansam de errar. O que importa e que agora tenho o dever de espalhar a palavra desse talento humano, que me lembrou em demasia Amy.
Britânicas, no que depender de mim, VOCÊS SEMPRE SERÃO FAMOSAS!!!!!
Códigos atuais em cursos e lojas babadeiras:
EBAC - BEATRIZEBAC (R$200 reais de desconto em todos os cursos online!!)
Zerezes - BIAVELOSO10 (10% de desconto na coleção nova que está ABSURDA)
Cícero - VELOSO10 (aproveitar que o site tá com até 70% off + 10% de desconto<3)
Cumbuca Boa - BEATRIZ10 (10% de desconto em marmitinhas, apenas em SP)
Abraço Cultural - BIA10 (10% nos cursos disponíveis online, ou presencial SP e RJ
Meu Apoia.se Meu livro Meu instagram Meu Letterboxd Minha Amazon
gosto tanto do que pensa e escreve!