Em 1992, ia ao ar a primeira entrevista da Fernanda Torres no programa Roda Viva. Gosto de sempre perceber, logo nos segundos iniciais, como a câmera a circunda — intimada a uma espécie de interrogatório cultural — e Fernanda deixa escapar um olhar de menina para o visor no alto. O movimento é sútil, mas nada trivial, e funciona como um perfeito contraste com os demais entrevistados, que envaidecidos ou nervosos perante a lógica da ágora, permanecem com as miradas voltadas para os entrevistadores. Nanda não. Nanda olha pra gente.
— Hoje vamos conversar com uma pessoa famosa, filha de pais famosos, ainda que ela não goste muito disso, ou não goste muito de falar sobre isso. Apresentava o mediador da noite, Jorge Escosteguy. O corte da câmera rapidamente posiciona Fernanda em um sorriso tímido, sem maquiagem aparente, portando um colar de pérolas, e pelos nas axilas, que futuramente serão muito repercutidos — naquele momento e até hoje. A primeira fala que saí da sua boca é uma observação ao apresentador, mostrando que Fernanda olha pra gente, escuta os seus e conversa com todos como iguais. Ultimamente fez a peça “Orlando” em São Paulo, a “Marvada Carne”, foi premiada em Cannes em 89 com “Eu sei que vou te amar” — 86! — 86, perdão.
O primeiro assunto na roda é o tema primordial: a mãe, que na data, estreavam juntas a mesma peça. — Era uma idéia antiga, mas o perigo era o pieguismo de fazer uma peça diretamente ligada a mãe e a filha, e aí quando veio o Gerard (Thomas), ele era bastante maldito para entregar esse material e não ficar piegas —. Em uma coreografia de capoeira, Fernanda conta que matava Fernanda em cena, e vice-versa e versa-vice, aludindo a um começo e a um fim. Um pavio, que era fósforo e também pólvora — tento puxar a perna dela diariamente em cena, mas ela é muito mais esperta do que eu, e se dá bastante bem, dizia em meio a risos.
Depois discursa sobre os diferentes meios de atuação da própria atuação, ou seja, a escolha pelo cinema e pelo teatro, e o afastamento da TV. — Na verdade, eu não sei muito bem trabalhar em televisão, eu não sei muito fazer um personagenzinho, dar meu autógrafozinho, trabalhar e ir pra casa. Eu gosto de trabalhar ideias, eu gosto de misturar filmes que eu vi, com histórias que eu li. Eu sou uma atriz de ideias, não sou uma atriz da pequena vaidade. Quanto mais inteligente você é, mas você percebe que dizer “Cris, eu te amo” é muito pouco — em uma alusão as novelas da Globo.
promiscuidade
Em um eterno duo digno de teatro com a mãe, na vida encenada e nos momentos sem roteiro, Fernanda explícita as principais diferenças geracionais com a mãe que a teve com 37 anos: Ela tem uma vida conservadora, foi casada a vida inteira com o meu pai e a minha vida não é assim (…) um dia, ela me perguntou quando eu me separei do segundo (marido) eu acho …. ela falou pra mim rindo assim: minha filha quantos vão ser? — E pensava ser bonito o ponto em que ambas podiam se encontrar, com um ou três casamentos — se não for promíscuo não tem problema.
o paradoxo fernanda torres
E aqui chega o ponto alto da entrevista. Aquilo que ficou em mim de tal forma, que é por ele que volto sempre. O chamei de Paradigma Fernanda Torres, e nunca mais parei de falar sobre isso. No minuto quarenta, o Eugênio Bucci, da revista Playboy, pergunta a Fernanda sobre como foi ter ganhado o prêmio da Palma de Ouro em 1986, em Cannes, na França:
—Eu tava muito infeliz com o processo da tevê, eu também dei azar e peguei uma novela muito ruim. Eu lembro que eu saí de uma gravação, e fui pra casa do meu irmão, falei pra ele assim: cara, eu vou abrir um restaurante, vou fazer qualquer coisa… Aí minha mãe ligou e falou: — você ganhou em Cannes.
Na primeira vez que ouvi ela contando essa história fiquei muito encantada com sua resposta fora de qualquer clichê estático. Fernanda no mesmo dia que pensou em desistir, ganhou o maior prêmio da sua carreira até aquele momento. Porque Fernanda não é a atriz da novela considerada por ela mesma ruim, tampouco a jovem brasileira que de maneira estrondosa ganhou um prêmio em um dos festivais mais disputados e reconhecidos internacionalmente.
Nanda são ambas, e ao mesmo tempo, nenhuma das duas. Assim como todos. Malabaristas no pêndulo da vida, que não promete ser sofá-móvel-penteadeira, mas sim, uma bicicleta que encontra o tal sentido com a soma das direções e dos vetores. A partir do movimento. Fernanda é Vani, Fátima e Eunice Paiva. É fundo do poço, é “Cris eu te amo”, é o eterno meme do "Vou transar", é o tapete do Oscar. E acima de tudo — é nossa, e nada há de ser mais belo do que isso.
No mais, a vida presta.
E muito.
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lindo 💘 bom demais lembrar que a vida presta