#40 busque um sinônimo de mãe e chegue no além-início
o que resta depois de uma avalanche, o instinto materno e o dia das mães
Um pai, uma mãe, um filho e uma filha passam as férias nos Alpes franceses. Em um dos almoços, em pleno restaurante nas montanhas, com vista para as cascatas de gelo, a família tira fotos, conversa e dão risadas, até escutarem os primeiros tremores. Ao avistarem as colinas de neve, constatam a olho nu uma avalanche chegando em pouquíssimos segundos. A mãe, desesperada, em um profundo instinto, protege as crianças com o seu próprio corpo. O pai em um primeiro impulso corre da mesa, e resgata o celular. Branco. Tudo branco.
Aos poucos, alcançamos os personagens. Circunscritos em uma névoa densa. Tudo sobre controle. A cascata de neve se dirigia a uma outra rota a quilômetros dali. Eles retornam a mesa. As comidas intactas. Tudo que experienciaram foram vestígios. Fumaças de uma tragédia. Descrição plausível para o que viria a se tornar o casamento em questão, após a fuga repentina do patriarca.
A cena que acabo de narrar são os primeiros minutos do longa Força Maior, do diretor sueco e gênio Ruben Östlund, que também fez The Square - aqui fica a minha dupla indicação cinematográfica. Para além das cenas surreais embaladas com composições em G menor de Vivaldi, o que mais me fascinou na obra foi a capacidade de montar um filme de duas horas completamente impactado por um acontecimento de um pouco mais de dois minutos. E lógico, que tão alto quanto os tremores de neve, ou o Vivaldi, o que mais ecoou em mim, foi o instinto da mãe.
Considero mãe um troço sagrado. Tão sagrado que enquadro como a maior das entidades universais. Por sua vez, dificílimas de tatear e de descrever. Boas. Más. Gigantes. Parideiras. Imensas. Incondicionais.
Busque um sinônimo de mãe e chegue no além-início. Das vezes que alcancei tal grandeza, só consegui chorar. E, talvez, a grandeza more justamente nesse nesse choro.
Retomando o longa de Ostlund, acredito que talvez ele seja a metáfora perfeita dos ventos que a vida traz, quando se despeja um filho nesse mundo. Branco. Tudo branco. Tal qual o vérnix que reveste e protege os bebês após o nascimento. Tal qual os fios de cabelo das matriarcas. Aos poucos conseguimos alcançar os personagens. Quem foge e quem fica. Circunscritos em uma névoa densa. Tudo sobre controle. Nada nunca sobre controle. Eles retornam a mesa. Tudo mudou. Mas a comida permanece intacta. Homens sempre partem, em certa medida, e o que resta é o instinto. Ou aquilo que nenhum filósofo jamais conseguiu separar da natureza e da cultura.
Porém, mesmo em meio a fumaça, me permito sorrir no dia de hoje, percebendo a maneira como mães vem lapidando o imaginário coletivo do maternar eterno e cíclico.
Estamos retomando discussões sobre rede de solidariedade milenares, hoje pautadas como rede de apoio por Bela Reis e Flávia Oliveira. Aplaudindo mulheres celebridades que mostram seu corpo com estrias e marcas sendo a extensão de um outro ser. Nos questionando sobre o fenômeno da maternidade climática, e nos questionando junto com Hana Khalil o porquê das mães serem sempre vistas enquanto ‘chatas’, além das publicidades que de uma vez por todas estarem abraçando a complexidade de mulheres, como Hariana Meinke, que não deixam de nutrir outros interesses apenas por serem mães (também).
No mais, que possamos buscar acalanto em todos os possíveis sinônimos de mãe espalhados por esse mundo, coberto de vestígios e fumaças de uma tragédia divina.
Toda mulher é mãe e filha de si mesmo.
Esse texto foi feito em homenagem a minha mãe, que sempre me recebeu em vida e amor. A todas as minhas amigas e mães que me ensinam como é preciso viver o grande para entender o pequeno. Las amo sobremanera.
Indicações da Semana #11
Se não somos feitos sozinhos, permitam-se serem abalados pela tragédia que está assombrando o RG do Sul. Informem-se e destinem suas ajudas as causas que mais te afeiçoarem e sejam possíveis para o seu contexto.
Recomendo fortemente os perfis da Mari Krueger e da Clariana Leal!
▶️ Indicação de vídeo e livros: Não sei se todos já estão cientes, porém, desde o começo do ano, tenho feito vídeos no Youtube sobre o que ando lendo todo mês. Para além de um grande histórico e arquivo para mim, a plataforma permite a troca com os amantes da literatura, e uma resposta mais fácil a todas as perguntas que recebo sobre indicações de livros. Por lá, assim como por aqui, eu encontro os melhores comentários e as trocas mais gostosas <3
▶️ Indicação de entrevista: M. Ribeiro e M. Flor pela primeira vez se encontram após a maternidade das duas, em um papo delicioso coberto de sensibilidade e honestidade. Não é de hoje que sou muito mais muito fã das 2, então para mim, assistir a essa entrevista foi mais gostoso que goiabada com queijo <3
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