#49 o que espanta a miséria é a festa + FLIP 2024
Flanar, João do Rio e os melhores momentos em Paraty
A primeira vez que eu escutei sobre João do Rio eu estava na minha primeiríssima aula de jornalismo. Era sete horas da manhã, na Gávea. O professor, na altura dos seus sessenta e cinco anos, dizia que era necessário treinar o olhar. Afinar a pele. E que no percurso até chegar a faculdade era necessário avistar cinco pautas - no mínimo. Já dizia o texto sagrado, olhai os campos, as pombas, os bueiros, e etc.
Lembro de pegar na biblioteca o livro "A alma encantadora das ruas" do João, como bibliografia complementar, e sentir algo diferente desde a primeira frase:
"Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós (…) Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua”. - Do Rio, 2013, p.19.
Ao passo que ia percorrendo o texto, minhas pupilas dilatavam em contato com essa rua-alma. Essa rua que, no encontro com o amor, daria a luz a uma vocação, um indivíduo, o flaneur. Que nas letras de João ganharia até verbo, o flanar. Abre aspas.“Flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o vírus da observação ligado a vadiagem” (p.21).
Anos depois, me encontrei com a mesma palavra - só que em uma derivação de gênero. Flâneuse. Era o título do livro escrito pela nova-iorquina Lauren Elkin. Se até agora a figura do flâneur ocupava o lugar do ócio masculino, com tempo, dinheiro e nenhuma responsabilidade imediata, a flâneuse surgia para explorar o território urbano sob uma ótica e uma perna feminina, rompendo com o confinamento histórico das mulheres à esfera privada.
Me descobri flâneuse junto com Elkin, que relata no livro, sua vivência em Long Island até os vinte e cinco anos, quando muda-se para Paris. Assim como eu, que me mudei aos vinte e três, e nesse ano completei a mesma idade da autora.
“Em minha ignorância creio que eu pensava ter inventado a flâneurie. Vinda dos bairros suburbanos dos Estados Unidos, onde as pessoas usam carro para ir e vir de um lugar ao outro, andar sem nenhum propósito especial era uma coisa bem excêntrica. Em Paris, podia andar durante horas sem nunca chegar a lugar nenhum. Eu vivia em busca de vestígios, texturas, acasos, encontros, fendas inusitadas (…)
Minha experiência mais significativa com a cidade não se dava com a literatura, a culinária ou os museus, e sim com todas essas andanças. Em algum lugar do sexto arroundissement, percebi que queria passar todo o resto da minha vida numa cidade, especificamente, em Paris. Isso tinha a ver com a total e absoluta liberdade que se instaurava com o movimento de por um pé diante do outro”. (2022, p. 113)
Assim, ao ler o livro que descreve em pormenores o bairro em que vivia em Paris - uma das coincidências que compartilho com Lauren -, muitas vezes me percebi com os olhos cheios de água. A sensação de ler na rua, o que eu andava no texto. Não demorei muito para eu mesma, ocupar o título de flâneuse, decidindo sair com o terceiro olho no meio do umbigo. Mas essa história eu já contei aqui.
Quando soube que a FLIP, a festa literária internacional de Paraty, homenagearia João do Rio, justo neste ano, não pude deixar de fazer as minhas homenagens aos deuses das coincidências, ou melhor, das confluências. Como aquelas que em algum dia já banharam as pedras de cachoeira, lisas por natureza, que foram transportadas para o chão da cidade colonial que recebe a festa há 22 anos.
O desafio era iminente, falar do palco dos encontros, a rua, a rua-alma, a rua que pare, porém jamais para os flâneuses, na cidade que ninguém se vê, pois só tem olhos para ela. O resultado foi, da minha parte, um assombro por cinco dias inteiros. Com vocês, o meu compilado dos melhores momentos da FLIP:
+ melhores momentos da FLIP
A mesa que inaugurou todos os caminhos abertos para a festa literária, com o gênio contemporâneo e historiador Luiz Antônio Simas. “as ruas tem alma” foi uma aula-espetáculo sobre João do Rio, a invenção da crônica, o fascínio com a cidade que se modernizava e também a atenção com a tradição que a construiu.
Em seguida gostaria de destacar a mesa 14: o amor político, com Brigitte Vasallo, Geni Núñez, e mediação de Nanni Rios. Preciso confessar que não foram poucas as vezes que ri de memeficação da página @genipapos, criada por Geni - me desculpe genipapos, mas hoje a monogamia venceu. Porém, para além da caricatura criada, me vi muito disposta a escutar a pensadora guarani em primeira pessoa, e o resultado em linhas gerais foi "impecável”, como ela diz. Geni se desgarra de qualquer noção de sacrilégio com um final de risada em cada frase, flechando meu coração. E Brigitte, não preciso nem comentar, vindo diretamente de Barcelona, sem nenhum estudo superior formal, me quedé enamorada. Percebi que falar e ouvir de amor é a minha coisa favorita no mundo.
E por último, para não entupir o ver-mais-tarde do Youtube de vocês, deixo a mesa 15 - a eterna guerra entre os sexos, com Jazmina Barrera e Ligia Gonçalves Diniz, e mediação de Branca Vianna. Também me ganhando pelo bom humor, o encontro uniu as duas ensaístas que mergulham na história da literatura para reconstruir velhos lugares comuns sobre os papéis dos homens e das mulheres. Como diria a definição poética da mesa, é necessário "inventar nosso modo de entender o mundo a partir do gênero, aprendendo a ser generosos na troca do olhar".
No mais, como já diria Beto sem Braço, “o que espanta a miséria é festa”, e o evento literário na cidade que ninguém se vê, mas se encontra, me fez inteira em espanto.
B.
Clube do Livro!
Depois de muito desejo e saudade, anuncio finalmente o meu próximo Clube do Livro! Nápoles em quatro atos ✨ O clube-espaço de leitura dedicado à tetralogia napolitana de Elena Ferrante.
Mês a mês, exploraremos e discutiremos a amizade entre as personagens Lila e Lenu, e claro, a relação de ambas com Nápoles. O livro que daremos início em outubro será A Amiga Genial (2011), o primeiro da tetralogia e recentemente eleito pelo NYTimes como a melhor obra do século XXI. Neste romance inicial, acompanharemos a infância e adolescência das personagens, com todas as complexidades e dualidades que marcam suas vidas.
Formulário de Inscrição
Compiladasso dos melhores livros que li nas férias, em vídeo:
Enquanto não saí o próximo vídeo bem ferranter na semana que vem, um recordar é viver, nesse cantinho que já é conhecido por muitos. Reconheceu?
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Beto Sem Braço um dos maiores poetas desse país!!!!
A Flip foi incrível e eu também fiquei imensamente feliz pela crônica estar no centro da edição deste ano. ♥️